domingo, 4 de maio de 2014

Conto: Classificados

"Procura-se esta pessoa:

                Estou a procura de uma determinada pessoa, a qual é estranha, ímpar e neurótica. Que tenha preconceitos e hipocrisias, que tenha em si a ansiedade, a impaciência e um pouco de insegurança. Não é todo dia que essa pessoa se sente bem e, por mais segura que ela possa ser, ainda resta um respingo de insegurança, de um “e se não der?”. Essa pessoa acha que é fraca, acredita que qualquer coisa poderia destruí-la, quando não é. Ela é forte, sendo que essa pessoa apenas conheça sua força quando ocorrem dificuldades, complicações e mortes. Sim, mortes. Quando um ente querido morre, primeiramente a pessoa acredita que não poderá viver sem ela. Depois de alguns momentos, a pessoa percebe a maldição da sobrevivência, que é a de viver mesmo que alguns tenham partido. Não que a vida não seja boa, mas ela parece perder um pouco de cor cada vez que uma pessoa próxima nossa parte ou parta.
                É, me esqueci, essa pessoa tem um cérebro extraordinário, capaz de processar milhares de informações em questão de segundos. O cérebro dela é tão extraordinário que pode desenvolver novas habilidades, gravar sentimentos e sensações sem usar palavras (usando sua própria essência), podendo até criar uma das mais virtuosas artes. Seu coração, antes ingênuo (ainda é, mas ela não o sabe), agora procura aquelas coisas que o faz feliz, que lhe dá alegria. É interessante que, mesmo querendo agradar o coração, a pessoa não o conhece, muito menos o domina.
                Vaidade é uma palavra interessante para essa pessoa, pois ela, ao mesmo tempo que é vaidosa, é insegura. Talvez sua vaidade venha de sua insegurança? Talvez sim, talvez não. Só sei que essa pessoa possui muitos dentro de si que brigam, discutem, trabalham e resolvem problemas. Muitos, muitas vozes, muitas razões, muitos pensamentos. Sim, pensamentos. Pensamentos são vivos, tem cores e até notas musicais. São eles que nos ajudam quando precisamos tomar uma decisão financeira e são eles que nos traem quando estamos perto de alguém extremamente atraente, pois estes possuem uma forte aversão à sentimentos e sensações, pois são virtuais, não físicos. Sentimentos são físicos. Eles são apenas compostos químicos que são liberados na corrente sanguínea, dizem os cientistas. É frio pensar dessa maneira, imagine um enfermeiro pegando uma seringa e enchendo-a com um líquido de dentro de um frasco escrito “Amor”. Poético, não?
                Essa pessoa também é egoísta, gosta de pensar em si. Não ligo pra isso, pois todos devemos pensar em nós mesmos de vez em quando. Ela também é muito distante, porém próxima, basta começar a interagir com ela para perceber algumas de suas virtudes e falhas. Ela cria distância entre as pessoas em sua volta, mas está sempre carente, carente de atenção e carente de interação. Estava me esquecendo, essa pessoa tem um pouco de orgulho, sabe aquela coisa que segura a pessoa de pedir desculpas por uma coisa boba? Pois é, orgulho. Ela odeia assumir que perdeu uma discussão, mas as vezes admite. Ela é flexível para algumas coisas e inflexível para com outras. Ela sempre busca justificar suas coisas (claro, todas as coisas são justificáveis para aqueles que estão se defendendo), seja justificando para si própria ou para os outros.
                Enfim, voltando a falar dessa pessoa que procuro tanto, o motivo da procura é porque quero conversar com esse alguém, e esse alguém se parece comigo. Ou com você. Ou com qualquer ser humano na face da Terra ou em órbita dela pois, quem é que não tem tudo isso que foi citado e até um pouco mais dentro de si?"

                Isso foi o que Paulo, nosso solitário filósofo, propôs colocar no "Classificados" de seu jornal favorito. Como ele não tinha dinheiro para colocar todas essas palavras, ele juntou o que tinha e publicou, no lugar daquilo, isto:
                "Vende-se Chevette 92 em boas condições, tratar com Paulo".

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