sexta-feira, 30 de maio de 2014

Poesia(?): Apenas

Aquele momento inesperado em que você recebe carga de inspiração devido a saída do estado de indiferença para um estado de turbulência.
O que parecia sem graça passa a ser belo, o que era amargo fica como doce de caramelo.
Ou então tudo perde a cor, com a alegria virando dor.
Caos interior que me tira a razão, me deixa cego e borra a visão,
sentindo borboletas em seu ventre
ou ódio ao destino
segue irracional
de começo é difícil expressar
pois sentimentos te prendem com algemas
e, não tendo talento para cantar nem tocar,
acaba oferecendo apenas poemas.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Poesia: O Arquiteto

"Quero pintar o teto"
insistiu o cliente
em um tom insistente
para o arquiteto

"O que queres colocar?"
perguntou o artista
apertando sua vista
quando o cliente começou a falar

"Pinte a parte de dentro
com algo que eu possa ver
e que me faça refletir
algo que me tire do centro,
que dos problemas me dê o esquecer
e me faça sentir

Aquela sensação de voar,
de esquecer sem se arrepender,
de sonhar sem desanimar
e ser sem temer"

Espantado com tal requisição
o arquiteto pensou e pensou
até que parou e exclamou
"Encontrei a solução!"

Algumas semanas mais tarde
e com tempo de sobra
o arquiteto termina sua obra,
e a apresenta calmo e sem alarde

O cliente, aflito
entra e olha o local
observa e passa mal
estava contemplando o infinito.

domingo, 25 de maio de 2014

Conto: A digito cognoscitur leo

"Difícil encontrar essa pessoa, não sei se já a conheci, não sei se já passou. Tenho uma facilidade tenebrosa de entender as pessoas, ver seus pontos de vistas e até sentir o que elas fingem não sentir. Consigo vasculhar seus olhos, entrar em sua pele, sentir sua dor, e até tentar entender seu modo de pensar. O problema não é esse, mas sim a falta de reciproquidade nisso, algo tão grave que me fez apelar ao neologismo. Ninguém parece entender muitas de minhas neuras e irracionais razões e decisões, de que consigo expressar melhor o sentimento que aflige minh'alma através de palavras em papel, de que não sou tão racional quanto pareço, de que costumo observar as árvores e suas folhas conforme o vento sopra, encontrando paz em momentos como este e aquele, sendo que, enquanto este me faz organizar e jogar pensamentos fora, aquele expressa e me externa, aliviando pressões sentimentais e me deixando, também, em paz.
Olha que nem é por tentar, que culpa tenho se me desinteresso tão fácil por muitas pessoas? Amigos eu tenho, poucos mas os melhores. O problema era aquele mesmo, sempre foi aquele, de não encontrar alguém com a mesma loucura que tenho, ou talvez tenha encontrado e a desprezado, afinal, não é difícil que pessoas semelhantes a mim sejam estranhas e até mais loucas do que eu, pois tenho uma tendência ao caos, mesmo que eu tenha um amor pela harmonia, o que muitos confundem com indiferença ou até mesmo irracionalidade.
Me tornei o que minha família sempre quis: engenheiro mecânico. Tenho muitas especializações administrativas, sou fluente em inglês e espanhol, além de estar aprendendo mandarim. Trabalho atualmente para uma multinacional, sou gerente de projetos no escritório de engenharia e já recebi vários prêmios por conta de meus projetos. Sei que eles estavam mais preocupados com o dinheiro que fiz a empresa economizar do que com meu talento, pois eu mesmo faço isso com meus subordinados, afinal, é protocolo de qualquer empresa de sucesso. Enfim, muitos diriam que sou um homem de sucesso, e não nego, obtive sucesso material, possuo o carro do ano, tenho uma casa enorme, obtive sucesso... pelo menos era isso que gostaria de acreditar.
— Por quê? — perguntou-me um amigo meu quando desabafei minha insatisfação uma vez. Estávamos bêbados em uma festa cheia e vazia, vasta e superficial. No calor do momento (e do álcool), acabei expondo sentimentos e pensamentos jamais conhecidos por mim. Será que, talvez, eu não conhecia a mim mesmo?
O motivo de minha insatisfação é que, recentemente, descobri que eu, ao longo dos trinta e três anos, não vivi sequer um ano de minha vida. Como alguém não vive por 33 anos e ainda permanece vivo? A resposta é simples e comum, fácil de se responder e fácil de se encontrar. Eu, como muita gente, não vivi minha vida, mas sim a vida dos outros; as projeções e desejos que minha família tiveram sobre mim que veio a vida, as projeções de meus pais e as fantasias de minhas tias que vieram a vida, não eu, nunca eu. Nunca quis fazer engenharia, sequer chefiar alguém. No meu emprego não consigo deixar minha marca, meu nome, minhas impressões. Lá eu sou apenas um código de barras, uma peça, um número. Eu quero deixar minha marca no mundo, quero viver a minha própria vida, a vida de Leônidas, não a de vocês, nunca a de vocês.
Família é algo bom, mas não pode sufocar, é como a água, essencial, porém letal em altas doses. Amo vocês, e é por isso que deixo esta carta.
Cansei de ser sozinho no mundo, não consegui encontrar aquela tal de alma gêmea, mas agora percebo como ainda não a encontrei. Não encontrei alguém porque estive fora de mim, pois minha alma partiu faz tempo, dizendo que não rolava mais conviver comigo. Bom, talvez ela volte quando souber que destranquei as portas para ela.
Enfim, sem mais delongas, a finalidade desta carta (não quero comunicar isso via e-mail) é avisar vocês, que são minha família, que estou partindo. Vendi minhas coisas, juntei algumas roupas, comprei aquela moto que sempre desejei secretamente, sim, aquela linda Harley Davidson que estava impressa naquele pôster que tinha em meu quarto, comprei ela e parti para as américas. Destino? O horizonte."

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Conto: Vai descer

Era tarde, lá depois de meia noite, que Bruno subia a bordo do último ônibus que o levaria da faculdade para a cidade. Havia estudado até tarde por conta de um projeto que se envolveu em seu mestrado, estava desgastado, mentalmente exausto e fisicamente moído. E emocionalmente? Indiferente. Não se dava ao luxo de ter emoções, nem paixões, nem vontade, nem medo. Já recebera vários prêmios devido a sua inteligência desde cedo, é tri campeão regional de xadrez, já ganhou maratonas de matemática e de física. Tinha uma mente impecável, ou era o que parecia ser. Sua genialidade sempre foi acompanhada de elogios e seriedade, ele sabia de sua condição e se empenhava em melhorá-la, aperfeiçoá-la.
Ao passar pelo cobrador, nosso protagonista observa alguém o olhando de longe, parecia uma garota com um vestido branco. Ignorando o que acabava de ver, ele escolhe um lugar vago na janela e senta. Sentado, parado, automático. Esse era o estado dele, entrava em piloto automático, uma espécie de hipnose, delirando. Enquanto seu corpo seguia imóvel, sua mente o inundava com coisas de casa, da família e de sua vida amorosa. Pensamentos esses que vinham com muita culpa e repreensão por não fazerem parte de sua ambição, de seus objetivos. "Foque no que importa" pensava ele sempre, negava a si o pensar sobre o próprio ser, o próprio viver, mas essa rigidez parecia não ser eficaz devido ao estado de esgotamento que ele se encontrava.
Enquanto o tempo passava, o cenário mudava; acabava de sair de um bairro e passar por outro. Sua cabeça balançava harmoniosamente com o coletivo conforme ele avançava por ruas esburacadas em um humilde bairro. Enquanto sua cabeça pairava pelo ar, sua mente vagava, abstrata, incoerente, indecifrável. Seguiu assim até a imagem daquela mesma garota do ônibus aparecer, não dentro, mas fora em uma rua escura. Aquilo sim o tirou daquele estado zumbificado, pois logo após ver tal coisa, ele procurou com a cabeça e não a achou. Estava assustado, pois o vestido daquela garota era igual ao vestido de sua irmã mais velha usava quando ele era pequeno, por volta dos sete anos. Então repreendeu-se pelo fato de ter medo e de ocupar sua mente com coisas inúteis.
Seguiu indiferente pela viagem. Distraído como ficou, esqueceu de sinalizar quando chegou o ponto que desceria, então ele acabou descendo um pouco mais longe de sua casa. E tudo parecia tremer um pouco.
Desceu e seguiu em direção a sua casa por aquela avenida quieta e fria. Sua indiferença o corroía por dentro, de certa forma. As vezes, o ignorar já é um sentir, é um estado. Conforme segue pelas ruas, dobrando esquinas, ele se depara com a figura da menina lá na outra esquina, encarando e segurando um brinquedo nas mãos, uma boneca talvez. A figura da garota era pálida, era impossível dizer a cor de seus olhos e seus lisos e volumosos cabelos castanhos caíam pelos ombros e chegavam até a cintura. Ele travou de medo, sabia que aquilo não era natural, então tomou um caminho alternativo. Acabou dando passando em algumas ruas bem sinistras em seu bairro, então se esqueceu da garota por uns instantes, pois o medo de ser assaltado era maior. Estando perto de sua casa, olhou para trás e viu a garota um pouco longe, andando em sua reta. Tentando controlar o desespero, ele corre em direção a sua casa. O medo quase o possuía por completo, e como era noite, não havia ninguém na rua para o acudir caso algo acontecesse. Chegando em casa, ele olha para os lados e para trás, e acaba não vendo sinal da garota, sumiu. Imediatamente, ele abre o portão e, em alguns segundos, já estava dentro de sua casa com as portas trancadas. "Estou a salvo", pensou o coitado.
Tranquilo, Bruno decide subir pelas escadas e, quando foi destrancar a porta de seu quarto, escutou alguém logo onde acabou de passar. Começando a sentir aquela presença, olhou e viu a silhueta de uma criança no escuro, o qual engoliu a figura. "Não tem nada ali" dizia a si mesmo, tentando controlar o medo, enquanto tentava encaixar a chave na fechadura, então tudo pareceu tremer um pouco.
"Coisa da minha cabeça" pensava. Entrando no quarto, ele acaba se desfazendo de suas roupas enquanto caminha em direção a sua cama. Aquela hora invejada durante o dia todo chega: a hora do descanso. Ele deita, aliviando cada músculo do corpo, esticando o cérebro e cobrindo a mente. Por duas horas ele mergulhou no abismo, no limbo, quando algo o puxa para a superfície, voltando para o corpo em um respirar forte. Bruno acorda de seu sono procurando o que lhe agarrara na perna, até que ele acaba sentindo um pequeno animal peludo: era o gato da namorada. Em um ato de raiva, ele pega o bichano, se levanta e o chuta pra dentro do banheiro de sua suíte o tranca lá. "Preciso ir ao banheiro", pensou, e aquele gato deveria estar furioso, então decidiu vagar até o outro banheiro com aquele cansaço de dor que chegava até os ossos.
Vagando pelo corredor de sua casa, meio consciente, meio no abismo, encontra o banheiro. Chegando naquela sala porcelanada, ele ouve um grunhido, o qual o fez sentir um frio subindo-lhe a espinha. "É a criatura", pensou ele enquanto entrava no banheiro, espiando por todas as direções. Hesitou em sentar e acabou sentado para tatuar a porcelana. Enquanto permitia a ação do movimento peristáltico, vigiava a porta em prontidão. Apenas saiu do trono quando sentiu que a leveza do corpo não ia mudar mais.
Saindo do banheiro, eis que ele ouve aquele mesmo grunhido e percebe que era seu estômago. Estava faminto, e agora ele sabia, o que agravou a sensação de vazio. E tudo parecia tremer um pouco.
Chegando na cozinha, ele abre e vasculha a geladeira por algo que poderia comer, então ele encontra, em meio às fitas cassete, uma fatia de pizza. Ele pega a pizza e, quando resolve dar aquela mordida, o gato de sua namorada pula e rouba a comida de suas mãos. Furioso, Bruno pega uma faca que estava na pia e persegue o gato, que teve fim ao se encurralar no banheiro.
Após abater o animal, Bruno sai do banheiro e vai em direção a cozinha ainda com a faca na mão. Chegando lá, ele encontra com aquela garota que o perseguia e, ainda possesso da raiva que o gato proporcionara, decide dar fim nela, descendo a faca em direção dela várias e várias vezes.
-- Pare!! -- exclamava a garota.
Quando Bruno ouve a voz dela, ele para de esfaqueá-la, se afasta dela e entra em choque. Aquela voz havia tocado em seu âmago, feito seu estômago se contorcer e forçado nó cego em sua garganta. Ficou imóvel, aterrorizado, pois aquela era a voz dele de quando ele era garoto. Ele costumava vestir alguns vestidos da irmã quando ele era mais novo, mas era algo que só ele sabia. Ainda paralisado, a garota calmamente se aproxima, descansa a mão em seu ombro esquerdo e diz:
-- Ei, você perdeu o ponto -- disse ela usando um outro timbre de voz. A confusão de Bruno ficou estampada em sua cara. "Ponto? Do que ela está falando?" perguntava ele dentro de sua cabeça, então ela o sacode e fala novamente.
-- Cara, você perdeu o ponto ali ó, acorda.
Então ele acordou lá, sentado, no ônibus.
A garota que sentava atrás dele o acordou, pois eles se conheciam e ela percebeu que ele passou do ponto.
Então Bruno acabou descendo um pouco mais longe de sua casa, pois havia perdido o ponto.

domingo, 18 de maio de 2014

Poesia: Isto não é uma obra-prima

Isto não é uma obra prima

Cuidado com o que diz
pois palavras tem poder
elas podem enriquecer
ou te fazer infeliz

Tento combinar
sejam locuções
ou substantivos
procuro rimar
expressar emoções
através de adjetivos

Falo nada com nada
tudo com tudo
só me expresso
e também confesso
um problema agudo
que me dificulta a jornada

Se falta vento, o barco não veleja
palavras me faltam, me fogem
me falta vento, essa é a minha peleja
levantem as cores, esqueci o que rimar
icem as velas e criem coragem
pois acho que o vento não vai soprar
ele é selvagem...

"Você é previsível"
disse logo alguém
me chamando de ninguém
me chamando de invisível

O sentimento é invisível
e seus efeitos são visíveis
se sou tão previsível
então me diga... onde está a rima?
isto não é uma obra prima.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Dedos cruzados

Mentira na TV
Mentira na televisão
é mentira que se vê
e que te forçam a digestão

Te mentem na escola
E te mentem com o visual
tu mentes na esmola
e na rede social

Todos mentimos
todos enganamos
seja nossos sentimentos
ou aqueles com que andamos

Tá certo, não estou me importando
é a mais fácil de se ouvir
pois é mais fácil fingir
que está agonizando

Por uma causa qualquer
você não percebeu
sem amor próprio sequer
você mente pro eu.

Poesia: A dança dos corpos

Existe uma dança,
algo que exige confiança,
é extremamente carnal
e nada espiritual

Dois corpos dançando
eles se examinam
se contaminam
e acabam amando

Pouco importa
a afeição intelectual
mas sim o falar corporal
que nos palpita a aorta

O ritmo aumenta
elevando a malícia
e, sem nenhuma vestimenta,
acontecem a carícia

Cessa-se a fala
e começam as exclamações
a razão se cala
dando espaço às emoções

O clímax veio a acontecer,
com gritos exorbitantes
e aquela sensação de pertencer...
essa é a dança dos amantes.

Conto: Em que ponto chegamos

Era manhã, quase meio dia. O dia encontrava-se lindo, o sol iluminava como nunca, nem tão forte e nem tão fraco, simplesmente perfeito. A luz do sol não só ditava as cores naquela rua, mas também as realçava, enchendo-as de vida. O vento soprava suavemente, soando como um maestro, tornando as árvores em instrumentistas, as quais tinham suas folhas por instrumentos musicais. Tal orquestra era acompanhada pelo vocal dos pássaros que, em um estilo natural e otimista, cantavam para o sol.
                O dia parecia estar perfeito, mas não estava, não na rua Comandante José Dias. Lá o ar estava tenso, ansioso e indignado. Olhares checavam o horizonte incansáveis vezes, os relógios eram constantemente verificados como se adiantasse de alguma coisa.
                A frieza das pessoas nesse lugar era algo de se assustar. Mãos nos bolsos e cara fechada eram as coisas mais comuns de se encontrar naquele aglomerado de pessoas. “Abriu o sinal” disse alguém, causando esperança nos corações mais ingênuos e indiferença nos mais experientes, “Nada ainda”, afirmava outro, causando um suspiro indignado em muitos.
                Passaram-se cinco minutos e o ritual se repetia: olhos buscavam as horas, semblantes fechados, olhos no horizonte e suspiros indignados, parece até poético, mas é mais cruel que isso, mais cruel que simples rimas, simples versos. Durante a tortura da ansiedade passa um garoto vendendo chiclete, exclamando “Chiclete! É um pila só, comprem, tenho vários sabores!”,  mas o mais interessado disse “Cala a boca, guri”. O garoto trajava fiapos encardidos, parecia que não se lavava fazia meses.
                Todos ali tinham algo em comum, uma chaga, uma maldição, mas parece que isso não é o suficiente para elas se conhecerem. Deve ser porque estavam em uma floresta, sim, talvez todas essas pessoas estavam ariscas, selvagens, talvez por medo de se tornarem presas. Sim, os predadores da cidade buscam por presas desatentas, munidos com um cano e com as seguintes palavras “Passa tudo”. Então o medo afastou as pessoas, criando distâncias e barreiras entre elas.
                Passaram-se mais dois minutos e aquele que parecia não chegar, chegou. Era um ônibus, para a alegria de muitos, poucos ou de ninguém.

domingo, 4 de maio de 2014

Poesia: Procura-se um poema

Procura-se um poema
que expresse o que sinto
que confesse que eu minto
e que não tenha fonema

Sensação essa é
de querer escrever
mas a inspiração não quer aparecer
qual é a tua, mané?

Me prontifico a escrever
posiciono substantivos e adjetivos
tentando expressar meus objetivos
e mostrar o ponto de meu ver

Por que isso é tão importante?
querer escrever
tentar aparecer
tendo a escrita por sua amante?

Amante incontestável,
estou casado com a engenharia
aprendendo maquinaria
porém escrevo, para não ser detestável

Detestável? Como assim?
E não é aquele que nega seu gosto,
sendo obrigado a seguir em desgosto,
detestável? Sim

A leitura me flerta
e eu respondo escrevendo
coisas de que não me arrependo
Se ela acha que me dominou... está certa!

Conto: Classificados

"Procura-se esta pessoa:

                Estou a procura de uma determinada pessoa, a qual é estranha, ímpar e neurótica. Que tenha preconceitos e hipocrisias, que tenha em si a ansiedade, a impaciência e um pouco de insegurança. Não é todo dia que essa pessoa se sente bem e, por mais segura que ela possa ser, ainda resta um respingo de insegurança, de um “e se não der?”. Essa pessoa acha que é fraca, acredita que qualquer coisa poderia destruí-la, quando não é. Ela é forte, sendo que essa pessoa apenas conheça sua força quando ocorrem dificuldades, complicações e mortes. Sim, mortes. Quando um ente querido morre, primeiramente a pessoa acredita que não poderá viver sem ela. Depois de alguns momentos, a pessoa percebe a maldição da sobrevivência, que é a de viver mesmo que alguns tenham partido. Não que a vida não seja boa, mas ela parece perder um pouco de cor cada vez que uma pessoa próxima nossa parte ou parta.
                É, me esqueci, essa pessoa tem um cérebro extraordinário, capaz de processar milhares de informações em questão de segundos. O cérebro dela é tão extraordinário que pode desenvolver novas habilidades, gravar sentimentos e sensações sem usar palavras (usando sua própria essência), podendo até criar uma das mais virtuosas artes. Seu coração, antes ingênuo (ainda é, mas ela não o sabe), agora procura aquelas coisas que o faz feliz, que lhe dá alegria. É interessante que, mesmo querendo agradar o coração, a pessoa não o conhece, muito menos o domina.
                Vaidade é uma palavra interessante para essa pessoa, pois ela, ao mesmo tempo que é vaidosa, é insegura. Talvez sua vaidade venha de sua insegurança? Talvez sim, talvez não. Só sei que essa pessoa possui muitos dentro de si que brigam, discutem, trabalham e resolvem problemas. Muitos, muitas vozes, muitas razões, muitos pensamentos. Sim, pensamentos. Pensamentos são vivos, tem cores e até notas musicais. São eles que nos ajudam quando precisamos tomar uma decisão financeira e são eles que nos traem quando estamos perto de alguém extremamente atraente, pois estes possuem uma forte aversão à sentimentos e sensações, pois são virtuais, não físicos. Sentimentos são físicos. Eles são apenas compostos químicos que são liberados na corrente sanguínea, dizem os cientistas. É frio pensar dessa maneira, imagine um enfermeiro pegando uma seringa e enchendo-a com um líquido de dentro de um frasco escrito “Amor”. Poético, não?
                Essa pessoa também é egoísta, gosta de pensar em si. Não ligo pra isso, pois todos devemos pensar em nós mesmos de vez em quando. Ela também é muito distante, porém próxima, basta começar a interagir com ela para perceber algumas de suas virtudes e falhas. Ela cria distância entre as pessoas em sua volta, mas está sempre carente, carente de atenção e carente de interação. Estava me esquecendo, essa pessoa tem um pouco de orgulho, sabe aquela coisa que segura a pessoa de pedir desculpas por uma coisa boba? Pois é, orgulho. Ela odeia assumir que perdeu uma discussão, mas as vezes admite. Ela é flexível para algumas coisas e inflexível para com outras. Ela sempre busca justificar suas coisas (claro, todas as coisas são justificáveis para aqueles que estão se defendendo), seja justificando para si própria ou para os outros.
                Enfim, voltando a falar dessa pessoa que procuro tanto, o motivo da procura é porque quero conversar com esse alguém, e esse alguém se parece comigo. Ou com você. Ou com qualquer ser humano na face da Terra ou em órbita dela pois, quem é que não tem tudo isso que foi citado e até um pouco mais dentro de si?"

                Isso foi o que Paulo, nosso solitário filósofo, propôs colocar no "Classificados" de seu jornal favorito. Como ele não tinha dinheiro para colocar todas essas palavras, ele juntou o que tinha e publicou, no lugar daquilo, isto:
                "Vende-se Chevette 92 em boas condições, tratar com Paulo".