terça-feira, 19 de agosto de 2014

Ei, por favor, me dê uma moeda e um pouco de esperança

— Me dá uma moeda?
Dizia o andarilho, derrotado, esparramado pelo chão de uma calçada, no centro daquela floresta urbana. Muitos olhos e poucos corações passavam por ele naquele dia conforme suas mãos se enchiam dos centavos. A barriga daquele andarilho roncava desde o dia anterior, como os preços continuam subindo com a inflação, sua solidão acabava sendo acompanhada daquela constante fome. Seu rosto estava todo ensebado, sua barba estava disforme e seu cabelo, oleoso e embaraçado. Não dava mais para deduzir qual era sua etnia devido à quantia de sujeira em seu corpo, mas o que isso importa? Afrodescendente ou caucasiano, ou talvez de origem asiática, aquele ser humano era tratado como tudo, menos como o que ele realmente era: um humano.
Depois de algumas horas, logo o mendigo percebeu que a quantia de olhos aumentava, conforme os corações diminuíam. Era julgado sem saber, condenado sem se defender. Enquanto isso, sua fome aumentava e seu coração murchava — este também estava faminto.
— Rogo, Senhor, que me dê uma salvação! Uma mão amiga, um alimento na barriga, e amor no coração!
Clamava o mendigo aos céus, conforme sua miséria aumentava. Mesmo falando, parecia mudo para os olhos — eram olhos que passavam, não ouvidos. Até então, nunca um ouvido havia passado por aquele lugar, apenas olhos. Olhos de pastores de igreja, de políticos, de pessoas "boas", olhos gordos, olhos bem dotados, olhos bem supridos, olhos doentes, olhos sadios, olhos saciados, olhos médicos, olhos executivos, olhos trabalhadores e olhos famintos. Todos distintos? Não! Todos esses olhos (e quantos olhos!) tinham uma, e apenas uma, coisa em comum: eram cegos. Tal cegueira se devia à falta do coração — ou ao uso errôneo deste.
Enquanto olhos e olhos passavam, a fome e a dor do mendigo aumentava... seu braço começava a doer, e seu corpo, tremer. Enquanto estendia as mãos para os olhos, expressando a agonia que encontrava em seu ser, tais olhos ainda continuavam cegos. Talvez os céus atenderam seu pedido, pois da miséria ele estava saindo — seu coração estava parando. Enquanto seu rosto se contorcia de dor, e fluídos saíam de suas entranhas, os olhos continuavam passando e passando, enquanto a vida daquele ser humano ia se apagando.
Então, depois de alguns minutos, a agonia daquele pobre homem, enfim, havia acabado! Estava em paz, acolá.
Enquanto isso, no mundo dos homens, naquela floresta fria e urbana, os olhos voltaram sua atenção para o invólucro carnal daquele que foi desconsiderado: estavam espantados pois, quando olharam para o corpo daquele que sucumbiu, aqueles olhos viram um espelho. "E se fosse eu ali?" se perguntou alguns olhos quando começaram a ver com o coração, enquanto outros olhavam para o cadáver com desdenho, nojo. Enfim, depois de alguns minutos, um olho viu o que nenhum havia visto naquele homem, e resolveu agir para mudar aquilo: chegou, cheio de ternura, perto do corpo daquele mendigo e, em um gesto bastante humano, pegou as moedas que estavam em seu pote.
Então a vida continuou naquela floresta cinzenta, floresta urbana, floresta "humana". É, a vida continuou mesmo.

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